Monday, February 05, 2007

 

As Brumas de Sintra


- Mãe, vou votar SIM, no Domingo.
- Eu também ,filha!
Paula tinha agora 19 anos e era a primeira vez que ia votar. Nascera tinha a mãe quase quarenta anos, depois de uma gravidez normalíssima , mas inesperada.
Sua mãe fizera contracepção durante alguns anos , depois o ginecologista mandou suspender por algum tempo porque foram detectados outros problemas. Decorreram meses e anos e Luísa não engravidava. O tempo foi passando e simplesmente já nem pensava nisso. A sua vida era difícil, ocupada, não tinha família e nunca achara muita graça a recém-nascidos e sempre pensara que para se ser mãe é preciso ser-se uma boa Mãe. Sofrera bastante por ter sido rejeitada pelos pais logo à nascença e por isso talvez que a perspectiva de vir a ter um filho não a entusiasmasse muito.
Mas naquele verão tudo se alterou. No inicio de Agosto, teve a primeira falta. Disse ao marido e decidiu ir à Farmácia fazer a análise, porque se sentia diferente. O resultado era positivo – nenhum deles queria acreditar, incapazes de pensar fosse o que fosse.
Ligou então para o médico e foram à 1ª consulta. Ouviram todas as probabilidades, todos os riscos, todas as hipóteses de levarem à frente aquela gravidez ou tudo parar logo ali. Foram encaminhados para as Consultas de Alto Risco da Maternidade, foi-lhes dito que deveria ser feita a amniocentese lá para as 16 semanas, foi-lhes dito que poderiam ser detectadas anomalias e que o próprio exame poderia provocar um aborto espontâneo. Mesmo assim , decidiram que o exame seria feito. E se houvesse malformações pediriam a IVG.
Tudo correu sem problemas. A gravidez foi óptima, o parto também. A menina nasceu olhando o mundo com seus olhos da cor do mar. Era perfeita, doce, serena, liiiiiiiiiiiiinda. A Mãe amamentou-a até aos sete meses, sem chuchas e depressa começou a andar e a falar e veio alterar completamente a vida dos pais, que evoluíram, rejuvenesceram, descobriram novas capacidades de amor e de entrega.
Mas Luísa disse logo que não repetiria a experiência e para tanto a médica sugeriu colocar um DIU para lhe evitar outra gravidez de risco. Luísa pensou em todas as mulheres que conhecera nas consultas ao longo desses nove meses. Havia portadoras de sida, toxicodependentes , prostitutas que não sabiam quem era o pai, outras tinham problemas congénitos, malformações , espinha bífida e havia ainda as presas de Tires que vinham com as guardas atrás. Quantas se lamentavam de que não queriam aquela gravidez, outras nada diziam mas o seu rosto espelhava bem os sentimentos que lhes roíam as entranhas. Quantas mulheres tinham já passado na parteira da esquina onde se faziam abortos pagos a peso de ouro, sem condições , sem higiene, sem assistência. Quantas já tinham ido parar ao hospital com hemorragias e outras sequelas pós-aborto; quantas histórias de violação e abuso sexual, de maridos alcoólicos e tarados. Quanta falsidade nos rostos de certos médicos e enfermeiras …
E , depois, aquele bebé de cinco meses que estava na Maternidade , abandonado pela mãe a seguir ao parto, à espera de poder transitar para uma Instituição de acolhimento… e as crianças maltratadas, vitimas de abuso , por vezes espancadas até à morte. E as crianças-mães aos doze ou catorze anos e a falta de planeamento familiar e de apoio e a quase inexistência de educação sexual nas escolas e em qualquer lado.
Por tudo isso Luísa e o marido iriam votar SIM no próximo Domingo, a filha também.
Para que se dissipem as brumas da falsidade e da ignorância, em Sintra e no resto do País. Pelo prazer de ser MÂE. Pelo gosto de se ser FILHO. Pelas MULHERES.
Pelo NÂO à hipocrisia!


Sintra:é o 2º concelho do País com 419.382 habitantes

Mais informações e foto de
http://riodasmacas.blogspot.com/

Comments:
ola wicky,

vim visitar-te... agradecer-te o esforco, mesmo sem teres conseguido publicar o comentario (ja me aconteceu muitas vezes tambem). E tens um post tao lindo sobre este assunto. Tao lindo mesmo. Obrigado pela partilha.

Beijinho
 
Bom dia: penso que o centro do problema é a falta de informação e concretização.Tudo passa pela educação sem preconceitos.Quem não quer ou não pode,ou não deve ter filhos tem que ser ajudado a evitar essas situações.Com a vida não se "brinca" e muito menos negar o direito de alguém vir ao mundo.Criemos condições para a vida...

beijinho doce

Vem Sonhar Comigo
 
Porque Sim!!!

Espero também que no próximo dia 11, termine de vez este estafado processo que pretende pôr fim à hipocrisia dominante, sobre uma situação resolvida por toda essa Europa que nos dizem que é onde estamos. Acabar com a descriminação das mulheres que podem ir resolver os seus problemas de consciência do outro lado da fronteira e das outras que tem que optar por arriscar a vida em IVG's, nas mãos de curiosas, e que com esta lei no caso de haver complicações derivado da forma como correu essa intervenção, se recusam a ir a um hospital público, porque aí podem encontrar algum médico "objector de consciência", que em vez de a tratar, chama a policia para a prender....
Os que votam Sim, não obrigam os que votam Não a nada,pelo contrário os que votam Não, querem impor a todos as suas próprias crenças e convicções.
Por isso o meu voto não podia ser outro.
Pedro Macieira
PS.Obrigado pelo Leonard Cohen.
 
obrigada pela visia e pelo comment, aenima


há que partilhar e fazer esforço, a bem de todos nós.

Um beijo para ti
 
meu doce amor

há muita des-informação no meio disto tudo, no meio dos médicos, das maternidades ,das enfermeiras...

Nessa Consulta de Alto Risco do Hospital D Estefanea estava também uma senhora de 48 anos . GRÁVIDA!
Eu disse 48 anos. O médico ludibriou-a até aos quatro meses de gravidez fazendo-a tomar medicamentos para a menopausa, que eram prejudiciais ao bebé. E aquela MÃE de dois filhos já adultos, recusava fisica e psicológicamente essa gravidez que ela própria não conseguia assumir nessa idade. Foi fazer a amniocentese e certamente a IVG a seguir porque as anomalias deviam ser evidentes - mas escusava de ter feito a IVG se o médico tomasse a tempo e horas uma atitude correcta e não andasse a empatar, como eles tanto gostam de fazer , por vezes,
Nesse Hospital havia uma Unidade de Genética onde as grávidas eram seguidas e os filhos acompanhados até aos 18 anos, para estudo de casos.Tudo era gratuito, tal como a Consulta de Alto Risco e posteriormente a de Planeamento Familiar!
Recentemente soube que essas Consultas passaram a ser pagas e só lá vai quem quer, deixando as grávidas de passar obrigatoriamente por lá.
Relembro para quem não saiba que a amniocentese não é comparticipada pela Segurança Social e há 20 anos custava 12contos (60 €uros), por isso muitas mulheres nem sequer a fazem ; as vitaminas para recem nascidos tb não são comparticipadas pela SS e por isso muitas mães tb não as dão aos filhos!
Por isso , há muitas condições a criar ANTES DE AS PESSOAS PENSAREM EM TER FILHOS.
 
OLHA , PEDRO

Mesmo nos casos em que a IVG já é autorizada por crimes, violação, malformações do feto... há muitos médicos que se recusam a fazê-lo por objecção de consciencia , obrigando a longas listas de espera mnas Maternidades públicas e implicando cada vez m,aior sofrimento.

fico com Leonard a ouvir ...the end of Love .

Um abraço. Por Sintra.
 
Oi Wicky,
Não estou em Portugal, mas tenho acompanhado este referendo através de alguns blogs amigos. Sou pela vida sim! Mas em se tratando da legalização das IVG o que tenho a dizer é tomara que a coerência vença a hipocrisia, pois muito se manipula em casos destes apenas em nome do poder de uns poucos em detrimento do direito à saúde física e emocional de muitas. Aqui no Brasil foi muito semelhante quando tivemos que votar pela questão do porte de arma. Se este se tornasse ilegal, tenho certeza que geraria muito mais violência do que já existe. Se o aborto se tornar legal aí, tenho certeza que só diminuirão seus riscos e não aumentará sua ocorrência.
Beijinho
 
Olá wicky,

São histórias destas que deviam ser contadas para evitar certos comentários hipócritas e descabidos.

Sabe que penso como você e no domingo lá estarei mesmo "coxa" porque vou fazer uma cirúrgia na 5ª feira.
Todos contra a abstenção e pelo Sim que dá a todos liberdade de escolha mesmo para o que pensam o contrário.

Beijocas.
 
Temos opiniões opostas mas isso faz parte da vida... Cada um tem o seu processo, as suas experiências, a sua maneira muito própria de sentir, pensar e viver. A despenalização do aborto não tem a ver com a minha forma de estar.Para mim nada na vida acontece por acaso e intreferir nas leis do Universo não está nas minhas mãos... Um grande beijinho para ti
 
JONICE
foi muito semelhante quando tivemos que votar pela questão do porte de arma. Se este se tornasse ilegal, tenho certeza que geraria muito mais violência do que já existe. Se o aborto se tornar legal aí, tenho certeza que só diminuirão seus riscos e não aumentará sua ocorrência.
...
ESSE EXEMPLO DO USO DE PORTE DE ARMA É EXCELENTE!
Há dias ouvi uma médica recusar-se a passar o atestado para a licença de porte de arma; por sinal quem a solicitiva até nem é muito normal e está correcto ela não passar o atestado. Mas existe a posibilidade de este homem ter em seu poder uma arma legalisada...SE obtiver o atestado e isso reduz o tráfico de armas e a posse ilegal.
Ninguém deseja fazer mais abortos e nem é isso que está em causa. As pessoas confundem-se e nem sequer devia haver referendo - a Assembleia legislava e mais nada , não nos pedem a opinião em muitas outras matérias!
 
melga

espero que estejas bem e te corra tudo pelo melhor! Apetecia-me fazer um a tiragem de cartas para ti, já que és uma pessoa tão especial...

Um beijo
 
eumulher
defendo a despenalização do aborto mas não defendo o aborto , acho que ele é o último recurso de qualquer mulher mas que qd tem de ser feito o seja em condições médicas adequadas e não em locais deploráveis e a preços especulativos, porque é um grande negócio para muita gente. E isso tem de acabar. Anda tudo muito preocupado com o bem estar e direitos dos embriões
mas poucos se preocupam com as crianças vitimas de maus tratos e abusos e com as que estão em albergues e asilos ou colégios -como queiram- e têm uma vida infelix, sem amor , na maior parte dos casos, com as que eternamente aguardam adopção ou assistimos a cenas chocantes como o caso Esmeralda...dê-se formação, educação sexual aos jovens e aos pais dos jovens, multipliquem-se as consultas de planeamento familiar ...
ainda ontem num documentario da tv se assistia a uma mãe que não autoriza a filha a ir à escola e só dizia "ela é que tem de ter juizo , se não vai ver "... e outros comentários do estilo. Era na serra , no interior , mas provavbelmente aqui na cidade há muitas mães epais a pensar assim tb.
 
Que linda sua expossição de fatos e verdades, a hipocrisia de se votar não é algo que deve ser combatido da forma que você o fez, meus parabéns!
Espero que um dia o Brasil esteja preparado para esse pebliscito para o qual Portugal serve de exemplo mais uma vez!
Obrigada aos portuguese por estarem sempre um passo a frente!
Agradeço também sua gentil visita e já linkei seu blog para não perder esse endereço!
Beijos
SôniaSSRJ
 
Wicky, estou totalmente de acordo com a sua opinião !
E lhe agradeço as palavras afetuosas que deixou lá em meu labirinto.
será sempre muito bem-vinda !
 
Absolutamente de acordo. O prazer de ser mãe (e pai) nao tem a ver com acabar esse negocio ignobil de alto risco p/ as mulheres que recorrem ao aborto actualmente. E tendo que ser que seja em boas condiçoes sanitárias...
 
Olá!

Um post bem oportuno e plenamente contextualizado.
Gostei de te conhecer.

Bjs. Boa semana.
 
Wicky,

Passo por aqui muitas vezes, nem sempre (muito raramente comento). Mas desta vez...

De mim para ti...

Tiro o chapéu pela "maravilhosa" (as atrocidades do mundo não o são), exposição por ti feita.

É um facto.

E quantas, mas quantas mulheres se dirigem a um vão de escada para o fazer, e quantas, pergunto eu, quantas, não levam um aperto no coração, uma dor na alma, um sufoco que as acompanha para o resto da vida...

Um grande abraço para ti.
 
Bom texto Wicky. Obrigada ;)
Beijinho grd*

(eu ja estou boa, obgda)
 
Se eu pudesse votar também diria SIM, para que as pessoas tivessem direito de escolher numa hora em que tudo parece perdido. Fico doente quando vejo na TV políticos a fazerem do aborto uma coisa banal, como se a mulher o fizesse com a mesma disposição de quem vai ao salão arranjar o cabelo. Ouvi um simpatizante do Não a dizer que iria virar um "onda nacional" como foi a dos telemóveis. Mas o que é isso, meu Deus?

beijinhos
 
Penso que o sim infelizmente não vai acabar com a hipocrisia, muito menos com todos os problemas sociais que muitos, demais mesmo, ainda se debatem neste país, vão continuar a nascer crianças filhas de toxicodependentes, alcoólicas, etc, vão continuar a abandonar crianças, enfim, acho que tudo vai continuar na mesma, este referendo é a maior hipocrisia de todas e mais ainda, um gasto que pelos vistos o país não pode suportar, dinheiro mal gasto, só aproveitado por aqueles que andam histéricamente de debate em debate a tentar tirar dividendos num assunto muito sério que está muito perto de ser vulgarizado.

Beijos.
 
Gostei da tua página , deixo aqui o convite para visitares a minha .
 
Olá Wicky,

Obrigada pela sua oferta.
Sou muita céptica em relação a essas coisa mas fiquei muito sensibilizada e se assim entender diga-me por favor que dados quer que lhe envie.

Beijocas.
 
Minha querida, é preciso que quem sabe, FALE. Duma vez por todas. Como fizeste, com clareza. Ninguém/nada tem o direito de penalizar uma mulher que decide, quase sempre num horrível constrangimento. Pena não haver um sítio onde se pudessem "contar" anonimamente, as histórias, nossas ou conhecidas. E por isso, acabemos com a hipocrisia! Bjinhos
 
peço desculpa de ainda não ter podido responder aos vossos comments como é meu hábito mas surgiu um imprevisto e tenho andado superocupada com um trabalho para finalizar.
Beijos para todos
 
Por tudo isso

SIM
 
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